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quarta-feira, 15 de julho de 2015

A era dos coxinhas e esquerdopatas

Nos últimos meses, principalmente desde o início da campanha presidencial do ano passado, mas já há mais tempo, tenho observado uma radicalização cada vez maior das posições políticas dos brasileiros. Ou melhor, da forma como uma pessoa enxerga outra que tem algum pensamento político, social ou econômico diferente do seu. 

Funciona mais ou menos assim: você diz que é a favor da legalização da maconha. Imediatamente, 90% das pessoas que discordam de você já estão te taxando de esquerdopata, petralha, comunista, "gayzista", e todo o tal "pacote esquerdopata". A mesma coisa acontece do outra lado. Se você diz que é a favor da redução da maioridade penal é taxado de coxinha, entreguista, conservador (aqui num sentido muito pejorativo), contrário à juventude, falso moralista, entre outros apelidos e xingamentos.

Na mídia vem acontecendo o mesmo processo, com jornalistas cada vez mais parciais para cada um dos lados, sejam os de direita da Veja e outros veículos parecidos, sejam os de esquerda da Carta Capital e semelhantes. O mesmo ocorre entre nossos políticos.

Essa súbita (não que eu ache que o processo tenha sido tão súbito assim, mas a escalada é assustadora) radicalização prejudica profundamente os importantes debates que devem ser feitos por nossa população, e eles estão sendo vários nos últimos meses: legalização das drogas, desarmamento ou armamento da população, redução da maioridade penal, corrupção, carga tributária, laicidade do Estado, etc. O que deveria ser uma propagação de ideias baseadas em argumentos sólidos, fatos, pesquisas, e outros meios confiáveis se transforma em um mar de lugares comuns em que além de frases prontas não há sequer o confronto de ideias, já que cada argumento é rebatido com um "coxinha, chora mais" ou "petralha, chora mais".

Ao que parece agora é proibido ser razoável no Brasil, ou você segue toda a "suposta" cartilha da esquerda ou direita e se desviar em algum ponto é imediatamente transformado em um inimigo mortal que merece a morte ou ao menos uma chuva de xingamentos.

Talvez essa situação toda já fosse realidade no Brasil, mas certamente as redes sociais, em especial o facebook, e a sequência de acontecimentos que tiveram origem com o julgamento do mensalão e as manifestações de 2013 foram determinantes para que esse sentimento se aflorasse e a cada dia se intensificasse. 

O maior exemplo recente é a votação da PEC da redução da maioridade penal, em que deputados e pessoas públicas das mais diversas correntes políticas reduziram o debate a infográficos com informações duvidosas divulgadas nas redes sociais com o único objetivo de ludibriar os mais ignorantes no assunto (e esses são 99% da população, inclusive entre muitas pessoas da área jurídica) para apoiar o seu lado - como se uma questão tão importante e complexa pudesse ser reduzida a dois lados que representam esquerda e direita.

Eu não sou contra o posicionamento político da população, muito pelo contrário. Quanto maior a conscientização política da população, maiores as chances de mudarmos alguma coisas no Brasil. Acontece que o movimento em curso no Brasil não é de uma verdadeira conscientização, mas sim de uma escolha de um lado e a demonização do outro, como se só existissem dois posicionamentos político-social-econômicos e esses fossem inimigos mortais em uma guerra em que só um poderá sobreviver.

E é exatamente por isso que eu lamento a situação atual do nosso debate político. O que poderia ser um momento de crescimento até mesmo de cidadania dos brasileiros virou uma batalha pior que qualquer rivalidade de futebol. E enquanto o povão se confronta nas redes sociais, fica tudo exatamente igual nas esferas mais altas de poder, que não tem nenhuma ideologia e fomentam essa polarização para que absolutamente nada mude.

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